sábado, 10 de outubro de 2009

O tonel das Danaídes.

A.S.Franchini e Carmen Seganfredo.

Belo, rei do Egito, tinha dois filhos: Egito e Danao. Cada qual teve cinqüenta filhos. O primeiro, cinqüenta rapazes, e o segundo, cinqüenta moças. Ora, os cinqüenta filhos de Egito não se entendiam jamais com as cinqüenta filhas de Danao. Em conseqüência, uma guerra civil estourou, lançando uns contra os outros. Após ferozes combates, os filhos de Egito expulsaram do país Danao e suas cinqüenta filhas, obrigando-os a procurar refúgio no reino vizinho de Argos. Felizmente, o rei de Argos, Celanor, recebeu os exilados com toda a generosidade, dando-lhes casa, comida e proteção.
Em reconhecimento, Danao e suas cinqüenta filhas expulsaram-no do trono.
A conspiração começou com um ataque promovido por um lobo contra o rebanho do rei Celanor. A fera, confiante em sua força, abatera o touro que chefiava o rebanho, tomando conta do restante dos animais. Vendo nisto um pretexto. Danao decidiu comprar os vaticínios de um sacerdote influente para que convencesse a corte inteira de que isto era o sinal evidente de uma profecia divina. O sacerdote, diante do povo, explicou então o significado profético do fato:
— O sentido deste acontecimento é evidente e irrefutável — disse. — Significa que uma nova autoridade está prestes a assumir o comando do nosso reino.
— Ai daqueles que se recusarem a se submeter a esta autoridade! — disse Danao, que por conta própria já se proclamara o novo rei.
O povo, assustado, reconheceu imediatamente o novo rei, enforcando em seguida o anterior, numa emocionante cerimônia em praça pública. No reino vizinho, entretanto, a notícia chegara ligeiro.
— Poderoso rei Egito! — disse o mensageiro, que trazia a notícia. — Seu irmão, Danao, agora é o novo rei de Argos!
Temendo que isso pudesse lhe trazer complicações futuras, Egito resolveu prevenir-se, chamando os seus cinqüenta filhos:
— Rapazes, quero que vocês se casem o mais rápido possível com as filhas de Danao! — disse o rei, sem admitir recusas. — Danao agora é rei de um país mais rico e poderoso do que o nosso e precisamos fazer esta aliança com ele.
Egito, na verdade, tinha razão em tentar comprar a amizade de seu irmão. Danao só esperava uma ocasião para pôr em prática a sua vingança. Alguns dias depois, um mensageiro de Egito chegou à corte de Danao, trazendo os cinqüenta convites de casamento. O rei, após dispensá-lo, chamou as suas filhas.
— Minhas adoráveis filhas! — disse -, quero que vocês aceitem o pedido de casamento dos cinqüenta filhos de Egito.
— O quê? Como poderíamos aceitar, se nos traíram de modo tão vil? -exclamaram as cinqüenta moças, indignadas.
— Calma, minhas filhas! — disse Danao, tentando explicar-se. — Depois da cerimônia nupcial, vocês terão o prazer de vingar-se deles todos, matando-os durante a sua primeira noite de amor — completou, com um sorriso.
— Ah, bom... — disseram, aliviadas.
O dia das núpcias chegou. Uma grande festa parou o reino inteiro. Durante a manhã, as cinqüenta filhas de Danao receberam como maridos os cinqüenta filhos de Egito. Um banquete faraônico deu prosseguimento às festividades, até que a noite caiu.
— Agora é preciso que os casais partam para os deliciosos jogos de Vênus! — decretou o rei de Argos, dando a bênção aos recém-casados.
Os casais instalaram-se às margens do belo lago de Lerne, em alvas e espaçosas barracas. De tal forma estava o local protegido da curiosidade do povo, que apenas as estrelas teriam o privilégio de escutar as conversas dos amantes. Dentro de cada ampla barraca, cada uma das filhas de Danao já se despia, revelando aos olhos do respectivo marido as suas formas perfeitas. Sob os travesseiros, porém, repousavam cinqüenta afiados punhais de prata.
Embriagados pela visão de suas cinturas finas e aveludadas, os esposos também começaram a se despir. Antes, porém, que pudessem acalmar o fogo de seus desejos, foram todos apunhalados pelas mulheres, sem dó nem piedade. O sangue espirrou por tudo, respingando até nas estrelas, ornando algumas delas de um halo vermelho.
Depois de consumado o crime, as filhas de Danao arrancaram as cabeças dos maridos, lançando os corpos nas águas do lago, que se tingiu inteiro de vermelho.
Uma delas, no entanto, recusara-se a assassinar o homem com quem recém casara.
— Meu adorado! Amo você e por isto me vejo obrigada a desobedecer a meu próprio pai — exclamou, jogando longe a adaga e caindo nos braços do esposo.
Era Hipermnestra, a única que fez correr naquela noite o seu sangue virginal.
No dia seguinte, todas as filhas de Danao, menos Hipermnestra, apresentaram-se diante do rei empunhando as cabeças de seus cônjuges. Ele exultou ao ver concretizada, finalmente, a sua vingança. Porém, revoltado com Hipermnestra. que faltara com sua palavra, atirou-a num calabouço. Já o marido dela, Linceu. fugiu às pressas para o país vizinho.
No entanto, as danaides, como eram chamadas as filhas de Danao, ficaram outra vez sem maridos.
"Precisamos dar um jeito nisso", pensou o pai das quarenta e nove virgens. Para tanto, decidiu organizar um grande torneio, no qual os vencedores receberiam as mãos de suas filhas em casamento.
— Uma corrida de quadrigas! — sugeriu Danao às moças.
— Oba! — exultaram elas, felizes na expectativa de terem uma nova distração. Na verdade, desde a divertida noite dos punhais as coisas andavam meio aborrecidas na corte.
No dia das corridas, apresentaram-se à corte centenas de concorrentes. As danaides podiam estar certas, ao menos, de arrumar quarenta e nove esposos valentes e destemidos; afinal, não era qualquer um que se dispunha a morrer num acidente de quadriga ou a ser apunhalado na própria noite de núpcias.
Os carros já estavam dispostos na linha de partida. Num balcão, acomodavam-se o rei e suas quarenta e nove virgens. Os competidores, em cima das quadrigas, tentavam conter os cavalos, que escarvavam o chão, ansiosos para lançarem-se na pista. As danaides percorriam com olhos ávidos os corpos nus de seus pretendentes — que estavam livres das vestes, para facilitar a escolha das exigentes mulheres. Foi dada a partida. Uma onda de pó levantou-se à saída dos competidores. Os de trás, sem nada enxergar, logo se embolaram, virando seus carros num amontoado de cavalos, quadrigas e cabeças partidas. Um urro de prazer partiu das arquibancadas, tomadas pela plebe. A pista, no entanto, era grande e circular; assim, enquanto os competidores restantes faziam a volta, os mortos eram recolhidos e lançados num monturo.
— Eia, cavalos! — berravam os dianteiros, que, emparelhados, distribuíam chicotadas no dorso dos cavalos e na cara dos adversários.
Os braços rijos e suados dos homens seguravam com firmeza as rédeas. Do alto da cabeça descia-lhes um suor, que o vento secava rapidamente, mas que se renovava a cada novo esforço que faziam. Os olhos das danaides faiscavam. Seus noventa e oito cotovelos cutucavam-se o tempo todo, a cada novo ângulo de observação que tinham dos corpos dos competidores.
— Aquele lá é meu! — exclamou uma delas, escolhendo o líder da corrida, que tinha os membros lustrosos do óleo que passara por todo o corpo, antes da disputa.
Infelizmente para ela, o carro de seu eleito tombou numa curva, bem em frente à tribuna, lançando-o ao chão como um marionete de madeira. Um grito de horror partiu das virgens, enquanto o corpo do rapaz rodopiava velozmente pelo chão, parecendo um deus hindu de duzentos braços e duzentas pernas. Em seguida, o carro que vinha atrás passou sobre o concorrente, esmagando-lhe a cabeça.
A corrida chegava ao seu final. Os quarenta e nove primeiros competidores cruzaram a linha de chegada, sob a ovação das moças e da ralé ajuntada nas arquibancadas. Cobertos de pó, os pretendentes subiram os degraus da tribuna, indo ajoelhar-se diante das suas futuras esposas. Depois de limpar com seus lenços o suor e o pó dos corpos dos vitoriosos, as danaides depositaram sobre suas frontes douradas coroas de louro.
Enquanto isso, no reino vizinho, Linceu, o marido de Hipermnestra, reunira-se às forças de Egito e invadira o país de Danao. O caos instalou-se.
Danao foi preso e morto. Hipermnestra, a danaide virtuosa, foi libertada de sua prisão pelo esposo. O sangue correu pelas ruas da capital, até que Linceu, o vencedor daquela noite fatídica, transformado em novo rei do país, viu chegada, enfim, a hora de vingar a morte de seus quarenta e nove irmãos. Dirigiu-se com seus soldados até o palácio e ainda chegou a tempo de capturar as virgens, enlouquecidas de medo. Todas as perversas danaides foram, então, passadas a fio de espada, sem piedade. No mesmo dia, suas almas entraram no Hades sombrio; lá as aguardava, impaciente, Minos, um dos juízes do inferno, que lhes decretou uma punição coletiva.
Carregadas de ferros, foram conduzidas até a beira de um imenso lago. Cada qual, portando um pesado jarro de chumbo, foi obrigada a enchê-lo de água até as bordas e levá-lo até a beira de um gigantesco tonel, despejando ali o conteúdo. E assim deveriam repetir a tarefa para todo sempre, até encher o imenso tonel — que não tem fundo.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Achado fóssil mais antigo de criança.

Autor: Cristina Amorim
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/09/2006, Vida&, p. A26

Uma menina de 3 anos dá o que falar na paleontologia. Selam, que significa paz em diversos dialetos etíopes, é a mais antiga criança já encontrada: viveu há 3,3 milhões de anos e é representante da mesma espécie de Lucy, fóssil achado em 1973 com características mistas de chimpanzé e homem.

O novo exemplar de Australopithecus afarensis, que viveu na África entre 3 e 4 milhões de anos atrás, andava ereta, mas aparentemente podia se locomover pelas árvores.

Selam é pelo menos 100 mil anos mais velha do que Lucy e ajudará antropólogos de todo o mundo a compreender melhor como a evolução atuou desde a separação entre hominídeos e chimpanzés.

'É o achado de uma vida', diz o bioantropólogo etíope Zeresenay Alemseged, do Instituto Max Plank de Antropologia Evolucionária, na Alemanha. 'Esta criança vai nos ajudar a entender muita coisa sobre a espécie a que pertence.'

Os fósseis foram encontrados na Etiópia em 2000 e limpos por cinco anos - os cientistas tiraram grão por grão do material e ainda não acabaram o trabalho. A primeira descrição dos fósseis aparece hoje na revista Nature (www.nature.com).

RENASCIMENTO

O azar de Selam significou a sorte de Zeresenay. O motivo de sua morte prematura não está claro ainda, mas possivelmente uma enxurrada a escondeu sob a lama, protegendo o corpo de animais que comem carniça e das mudanças climáticas. Foi assim que boa parte do esqueleto foi preservado, e em sua posição original.

Ele inclui o crânio completo, inclusive uma impressão do cérebro em arenito, mandíbula com dentes, todas as vértebras do pescoço até a parte baixa do tronco, todas as costelas, as escápulas e as clavículas, o cotovelo direito e parte de uma mão, os joelhos e boa parte das tíbias e dos fêmures. Os cientistas também encontraram um pé quase inteiro (que ainda passa pelo processo minucioso de limpeza), que guarda detalhes de como se locomovia.

A metade inferior do corpo tem sinais claros de bipedalismo, ou seja, a locomoção em dois pés, usada até hoje pelos humanos. Existem poucas dúvidas sobre esta habilidade do A. afarensis.

A metade superior, por outro lado, carrega características muito parecidas com as dos primos chimpanzés, como um pescoço curto e grosso (o pescoço alongado dos humanos serve para deixar a cabeça estável numa corrida) e o estribo, pequeno osso dentro da orelha que fornece equilíbrio ao corpo, bem parecido com o dos chimpanzés. Selam também tinha braços longos, estendidos até os joelhos, e dedos curvos.

Todos esses fatores indicam para um caminho pelas árvores, além do solo. Mas podem também ser resquícios da evolução, sinais de um passado não muito distante, mas sem muito uso. Como dentes do siso no homem moderno.

A resposta pode estar no pé: um dedão grande, que auxilia chimpanzés na escalada, seria determinante. 'O espécime pode ajudar a explicar se o Australopithecus afarensis era mais parecido com chimpanzés ou com humanos em diversas maneiras. Então pode esclarecer uma parte da origem das adaptações humanas', diz o paleontólogo e co-autor do estudo René Bobe, da Universidade da Geórgia, nos Estados Unidos.

Os cientistas também acharam em Selam o segundo osso hióide, que liga os músculos da língua, encontrado em ancestrais do homem. Como é muito parecido com o dos chimpanzés, o som seria 'muito mais atrativo para uma mãe chimpanzé do que para uma mãe humana', diz o co-autor Fred Spoor, da University College London.

Determinar a idade que Selam tinha quando morreu já valeria a descoberta: como é o esqueleto mais jovem de um hominídeo já encontrado, ele fornece detalhes únicos sobre o crescimento e a formação dos primatas.

O Paleontólogo.

Um paleontólogo é um cientista que estuda Paleontologia, e deve possuir conhecimentos em Geologia e Biologia que estuda os fósseis para investigar como eram os organismos e os ecossistemas do passado geológico da Terra. O paleontólogo estuda os fósseis, também, para perceber como estes se formaram e como podem ser usados para a datação relativa dos estratos rochosos em que ocorrem. Para investigar a vida do passado da Terra e estudar os fósseis necessário conhecer bem a geologia dos locais onde estes ocorrem e a biologia dos organismos que lhes deram origem.

Diferente do arqueólogo, que estuda as evidências culturais do passado dos seres humanos, o paleontólogo estuda a vida do passado do planeta Terra, incluindo os fósseis de humanos, mas de um ponto de vista paleobiológico. Apesar de, no que toca à escavação de fósseis de vertebrados, a prática paleontológica se assemelhar a uma escavação arqueológica, a arqueologia utiliza métodos de escavação e de estudo diferentes e usa, por vezes, técnicas de datação distintas.

O fascínio pelos dinossauros trouxe um glamour especial à profissão de paleontólogo, mas isso está longe da realidade. Somente quem passou dias a fio sob sol escaldante, com uma picareta nas mãos, trabalhando arduamente, sabe o quanto é difícil trazer à luz do dia o conhecimento enterrado nos estratos geológicos e quantos calos isso faz. Depois são meses de trabalho de laboratório e de gabinete, preparando, montando e estudando todos os fósseis recolhidos, para no final produzir um documento conclusivo, um relatório ou um artigo científico, que deverá em seguida ser publicado e divulgado entre a comunidade científica e o público em geral. Mas, apesar do trabalho duro do paleontólogo, a sensação de encontrar um dinossauro e contar a sua história, é algo que o dinheiro não paga e não há como descrever esta sensação em um pedaço de papel.

A metodologia de trabalho do paleontólogo varia consoante o tipo de fósseis que pretende estudar (fósseis de plantas ou de animais, de animais vertebrados ou de invertebrados,somatofósseis ou icnofósseis), mas é sempre um trabalho rigoso e meticuloso, pautado por critérios científicos bem definidos, com o objetivo último de recuperar o máximo de informação possível sobre os organismos que povoaram o Planeta no passado geológico. Apesar de a metodologia de trabalho do paleontólogo variar de caso para caso, pode estruturar-se este trabalho em algumas etapas básicas: